quinta-feira, maio 24, 2007

NEGA PARA SENAREGA

NEGA PARA SENAREGA

Na lista de referências coevas que servem de suporte ao Colombo genovês inclui-se mais um cronista conterrâneo daquele tecelão: Bartolomé Senarega, chanceler da República de Génova.
Não é tão conhecido e invocado como Giustiniani ou Gallo, mas também figura na extensiva listagem efectuada por Sanfuentes y Correa em 1918, como sendo uma das testemunhas mais importantes para comprovar que o Almirante descobridor tinha sido o tecelão genovês.
Para Sanfuentes y Correa o testemunho de Senarega apresenta um tríplice valor: primeiro porque era um escritor reconhecido pela sua seriedade, segundo porque também era genovês e contemporâneo de Colombo, terceiro e mais importante porque tinha escutado dos lábios dos Embaixadores da República de Génova, Francisco Marchesio e António Grimaldo, regressados da Corte de Espanha, o relato de que o descobridor era o genovês Colombo.
Atentemos então nos factos e nos relatos
Estes dois Embaixadores regressaram da Corte de Espanha no final de 1493, como também consta na obra “Castigatissimi Annali ... di Genoa”, de Agostino Giustiniani.
Teriam, portanto, tomado conhecimento directo dos relatos sobre a viagem do descobrimento, a primeira viagem do Almirante Colón.
O relato de Senarega, incluído em “De rebus genuensis conmentaria ab anno MCCCCLXXXXVIII usque ad annum MCCCCCXIIII” (ou seja, acontecimentos entre os anos 1498 e 1514), na sua tradução castelhana diz:

«Regressaram por esse tempo (1493) Francisco Marchesio, ilustre jurisconsulto e Juan António Grimaldo, ambos homens eminentes e Embaixadores da Pátria ante os Reis de Espanha, com quem tinham firmado uma paz conveniente. Eles asseguraram como coisa certa o encontro feito pelo genovês Colombo de ilhas não conhecidas.
Os irmãos Cristóvão e Bartolomeu Colombo, genoveses de modesta ascendência e que viviam do comércio da lã…
Bartolomeu, o mais novo, dirigiu-se a Portugal e por fim estabeleceu-se em Lisboa…»

O primeiro aspecto intrigante neste relato é a inclusão de acontecimentos ocorridos em 1493, em crónicas referentes ao período decorrido entre 1498 e 1514. Dá a sensação que qualquer oportunidade servia para tentar divulgar e impor uma teoria. Não sabemos se pelo próprio autor dos “genuensis conmentaria” ou por alguma mãozinha marota.

O segundo aspecto que nos atrai a atenção no relato de Senarega na sua versão original (?) em latim é a utilização de frases praticamente decalcadas (ou vice-versa) dum escrito atribuído a António Gallo, já abordado em artigo anterior.
Senarega:
«Christophorus et Bartholomeus Columbi fratres, Genue plebeiis parentibus orti, et lanificio mercede victitarunt...
Sed Bartolomeus minor natu in Lusitania, demum Ulissipone constitit...»
Gallo ( ??) :
«Christophorus et Bartholomeus Columbi fratres,... ac Genue plebeis orti parentibus, et qui ex lanificii, ..., mercedibus victitarent...
Sed Bartolomeus minor natu in Lusitania, demum Ulissipone constitit...»


Este decalque a papel químico põe-nos perante um dilema: quem copiou quem?
Já vimos anteriormente que aquele capítulo dos Comentariolus de Gallo não foi produzido na data que lhe quiseram atribuir (1499), sendo uma falsificação posterior efectuada umas décadas depois. Admitimos então que o falsário se baseara nas palavras de Senarega. Ficamos agora na dúvida se não se terá tratado de uma falsificação múltipla, afectando obras dos vários autores.

O terceiro aspecto incongruente tem a ver com o próprio conteúdo do relato atribuído aos Embaixadores, onde “asseguram como coisa certa o encontro feito pelo genovês Colombo de ilhas não conhecidas”
Quanto à nacionalidade do descobridor, duas hipóteses se colocam
1) Os Embaixadores tiveram contacto directo com o Almirante Colón, que reconheceram como sendo o tecelão genovês Colombo
2) Os Embaixadores não tiveram contacto directo com Colón e ouviram, ou foi-lhes comunicado oficialmente, em Espanha, que era o tal genovês.

Em qualquer destas duas hipóteses, os Embaixadores teriam chegado a Génova com a grande notícia. Toda a República ficaria a saber, a família do tecelão exultaria, a sua terra natal ficaria mundialmente conhecida. Não faltariam festas e celebrações.
Mas sobre isto, nada consta. Os acontecimentos posteriores mostram que os Colombos de Génova não se identificaram com o Almirante do Mar Oceano. Sobre a sua terra natal, sempre pairaram disputas entre várias localidades, o que demonstra que nenhuma o seria. Nunca se teria mantido o mistério em torno das origens do descobridor se a sua família e a sua terra natal fossem aqueles. Mesmo que, por hipótese, os Embaixadores apenas tivessem ficado a saber que era genovês, sem mais detalhes.

Se fossem os Embaixadores a reconhecê-lo como genovês, então a Corte de Espanha ficaria também a sabê-lo. Mas a sua nacionalidade ficou sempre incógnita nos documentos oficiais da Corte.
Se, por outro lado, fosse a Corte a comunicar aos Embaixadores, ou se estes tivessem ouvido, então é porque já se sabia em Espanha que o Almirante era genovês. Mas nunca se soube! Nunca lhe atribuíram essa nacionalidade.

Quanto à descoberta: “asseguram o encontro de ilhas não conhecidas”
Então mas o Almirante não afirmou que regressara das Índias? Não o sustentou durante o resto da sua vida? Não estavam os Reis de Espanha convencidos de que o navegador chegara às Índias? Não lhe entregaram, vários anos depois, uma mensagem para quando se cruzasse nas Índias com Vasco da Gama?
Como poderiam então, em 1493, os Embaixadores fazer referência à descoberta de ilhas desconhecidas? Porque não disseram que encontrara as Índias?

Senarega poderá ter ouvido o relato dos Embaixadores, mas não ouviu certamente dos lábios dos Embaixadores que o descobridor era genovês nem que tinha encontrado ilhas não conhecidas.
Isso ouviu Senarega já muitos anos mais tarde, quando escreveu a sua crónica, e por isso já sabia que se tratava efectivamente de ilhas desconhecidas, e por isso já ouvira o boato insistentemente propalado de que o descobridor era genovês.

Perante um relato tão fraco, ou talvez seja um "copianço", só posso atribuir nota negativa a Senarega.
NEGA para Senarega !


Carlos Calado – 24 Maio 07

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